Desigualdades no acesso ao tratamento confirmam que as chances de
morte de um paciente preto ou pardo analfabeto (76%) são 3,8 vezes maiores que
um paciente branco com nível superior (19,6%)
Em sua 11ª
Nota Técnica (NT), o Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS),
liderado pelo Departamento de Engenharia Industrial do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio), analisou a
variação da taxa de letalidade da COVID-19 no Brasil (número total de óbitos
dividido pelo total de casos encerrados, ou seja: com alta ou óbito) conforme
as variáveis demográficas e socioeconômicas da população.
Idade, município do caso registrado, raça/cor,
escolaridade, tipo de internação (enfermaria ou Unidade Terapia Intensiva –
UTI) e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), utilizando valores
obtidos pelo Atlas
do Desenvolvimento Humano no Brasil (2010) para 5.565 municípios de
ocorrência dos casos da COVID-19, foram os índices considerados no estudo.
Com dados atualizados até 18/05/2020, a equipe
de pesquisadores avaliou cerca de 30 mil casos encerrados das notificações de
Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) confirmadas
para COVID-19, disponibilizados
pelo Ministério da Saúde e que constituem apenas os casos graves. O NOIS
ressalta que essas notificações não
necessariamente representam o total de casos confirmados no País, embora sejam
uma das principais fontes de dados a respeito da doença.
Diferenças de
pirâmide etária, distribuição geográfica e desigualdades socioeconômicas
refletem as diferenças nas taxas de óbitos entre os estratos sociais
brasileiros no enfrentamento da doença.
Quase 55% dos
pretos e pardos faleceram enquanto que, entre os brancos, esse valor ficou em
38%
Conforme os registros do Ministério da Saúde,
quase dez mil se identificaram como brancos e quase nove mil como pretos e
pardos. Apesar da proximidade dos números, ao avaliar os óbitos, as diferenças
se evidenciam: quase 55% dos pretos e pardos faleceram enquanto que, entre os
brancos, esse valor ficou em 38%.
Maior parte dos casos é de pessoas entre 50 e 70 anos
Entre os cerca de 30 mil casos avaliados,
aproximadamente 55% tiveram alta. Dos internados em Enfermarias, 30,4%
faleceram e, os da UTI, o valor supera o dobro: 65,3% foram a óbito.
A maioria dos casos era de pessoas entre 50 e
70 anos, sendo que, para os acima de 60, o óbito ficou acima de 50% e, entre os
que tinham mais de 90, a taxa ficou em 84%.
Na avaliação por faixa etária, os pacientes pretos e pardos apresentaram um número maior de óbitos em relação aos brancos, em todas as faixas etárias. Como já observado, há um aumento de óbitos à medida em que a idade aumenta.
Ao separar por tipo de internação e raça/cor, pretos e pardos ainda apresentaram maior proporção de óbitos em relação aos brancos. A diferença entre as proporções de óbitos é maior nas internações em UTI que em enfermaria (diferença de aproximadamente 80%).
Quanto maior a escolaridade, menor a
letalidade
As diferenças
de escolaridade também se refletiram nos óbitos. Os sem escolaridade tiveram
taxas três vezes superiores (71,3%) aos que têm nível superior (22,5%).
Desigualdades de renda e acesso a serviços básicos sanitários e de saúde
confirmam o impacto da doença nas classes brasileiras.
Na combinação de raças e
escolaridade, as realidades desiguais ficaram ainda mais evidentes, com uma maior percentagem de óbitos de pretos e pardos,
em todos os níveis de escolaridade. Os sem escolaridade mostraram uma proporção
quatro vezes maior de morte do que brancos com nível superior (80,35% contra
19,65%). Além disso, pretos e pardos também apresentaram proporção de óbitos,
em média, 37% maior do que brancos na mesma faixa de escolaridade, com a maior
diferença sendo no nível superior (50%).
Óbitos x Tipo de internação x Raça/cor x
Escolaridade
O NOIS também
reuniu todos os dados disponíveis de internação, raça e escolaridade e as
diferenças sociais acompanharam as diferenças entre óbitos. Pessoas brancas e sem escolaridade têm uma proporção de óbitos de
48% na enfermaria e 71% na UTI. Pretos e pardos, com a mesma escolaridade, têm
69% e 87%, respectivamente. Para pessoas com ensino superior, a diferença é
ainda maior: o percentual de óbitos de pretos e pardos é maior que o dobro da
de brancos na enfermaria (17% contra 7%) e quase 60% maior na UTI (63% contra
40%).
Índice de Desenvolvimento Humanitário (IDH) impacta
no total de óbitos
Com
dados do Atlas
do Desenvolvimento Humano no Brasil, o estudo do NOIS confirmou que a chance de morte num munícipio com baixo ou médio IDH é quase o
dobro num munícipio com IDHM muito alto.
Figura 6. Proporção de óbitos ou
recuperados por faixa de IDHM
Na inserção
do dado de escolaridade, o NOIS optou por analisar os municípios com IDH médio,
alto e muito alto, excluindo os classificados como baixo, pois eram apenas 72
casos. Os resultados repetem o padrão das demais análises, com menos óbitos
entre os de maior escolaridade e mais óbitos entre pretos e pardos.
O Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) é um grupo de pesquisa formado por profissionais de diversas instituições: Departamento de Engenharia Industrial/PUC-Rio, Instituto Tecgraf/PUC-Rio, Marketing & Analytics/BizCapital, Rio de Janeiro, Brasil, Barcelona Institute for Global Health (ISGlobal), Espanha, Divisão de Pneumologia/InCor, Hospital das Clínicas FMUSP, Universidade de São Paulo, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, Rio de Janeiro, e Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). As análises e previsões aqui divulgadas representam as opiniões dos autores envolvidos no estudo e não necessariamente das instituições às quais são associados.
Mais informações em https://sites.google.com/view/nois-pucrio e no Twitter do
NOIS: https://twitter.com/NOIS_PUCRio.